Um Senhor Livro

Teócrito Abritta consegue com nítida competência, e plena literariedade, tensionar os fatos, a historicidade, os acontecidos, com a condução ficcional, criativa, enfim o imaginário de um escritor em plena maturidade na elaboração de sua obra.

Gênero complexo por vezes, aqui no Autor Teócrito as soluções de inteligibilidade ocorrem naturalmente, vão se sucedendo com a simplicidade de quem conta histórias e a profundidade das reflexões propostas pela narrativa. Não conhecemos, no momento literário que vivemos, Autor que desenvolva e exerça (este o termo) tal gênero com tanta justeza.

E A FORMA?

Conquanto alguma das etapas do livro remetam o leitor à precisão dos fatos históricos, às descrições geográficas (digamos) específicas das regiões, às datas e detalhes precisos nas informações, por outro lado a intensidade literária – com o A. definindo seu estilo – não só se mantém como humaniza o texto, aproximado-o das gentes, de hábitos e costumes, do cotidiano, da vida.

Observe-se, ainda, o exercício de metalinguagem “externa” (à abertura do livro) e em outras passagens da narrativa, como no núcleo Literatura e Memória. Histórias curtas e crônicas povoam quase todo o volume, em seus núcleos, basicamente os que se intitulam Histórias e Prosas. Antes, no aliterante Minas, Minério, Mistério, a forma de dizer se envolve, aos poucos, com o jeito mineiro de existir, nas observações do A. e em citações de diálogos: conversas econômicas.

Afinal, a inserção de fotos, de autoria do próprio A., cópias digitais de chapa xilográfica (como convém aos Cordéis), material iconográfico em geral (tudo em caderno específico) foi solução bem vinda e esclarecedora na estrutura do livro.

Literariedade plena, como já lembramos, no ritmo da prosa, nas inversões de ordem quando necessário manter expectativa, na composição de alternância dos períodos (sincopados ou não) na seleção vocabular.

OS SIGNIFICADOS

Antes do mais, nunca se retira de cena neste livro de Teócrito Abritta a sensibilidade crítica, ostensiva ou não (o que é o brega?), diante de um poder (poder mesmo) incrível de observação que, afinal, resulta em tudo: pesquisa. O pesquisador a serviço de revelar, de expor, de favorecer conhecimentos – tudo na bendita missão de, por sua vez, favorecer o indissolúvel entre o ver, constatar, e o sentir – por estarmos neste mundão de Deus (sabe-se lá).

Personagens notáveis (os reais, anônimos: longe, muito longe, jamais saberão de sua importância) transitam pelo livro. Alguns até em rápidos flagrantes, mas fortes o suficiente para eternizá-lo, como a velhinha moradora na praça de Santana dos Montes (“Roça chique, uai”); o personagem esférico, “o nosso Cabo – nem seu nome consigo lembrar – tinha virado herói”; o Dedé instrumentista e maestro da bandinha local, ali às margens do rio Passa-cinco, retratado em prosa lírica e desfecho-poesia.

Um escritor que entra para história literária brasileira.


Ivan Cavalcanti Proença
Professor, Mestre e Doutor em Literatura.
Crítico literário.